
Sim, Datena!!!
Os pequenos prazeres da vida a partir da cadeirada de Datena em Pablo Marçal.
“Eu me lembro da euforia”, diz Petra Costa no trailer de Democracia em Vertigem. Presumo que no filme também, mas eu não sei porque não vi. De qualquer maneira, daqui a 20 anos é possível que eu faça um documentário histórico-pessoal e relate: eu me lembro da euforia (quando Datena deu uma cadeirada em Pablo Marçal).
Queridos, eu pensei que essa semana seria a semana que eu escreveria o inevitável texto que o cronista tem de escrever: a crônica sobre não ter assunto para escrever crônica. Inclusive estou parafraseando essa frase de uma crônica de um texto ou do Millôr Fernandes ou do Érico Veríssimo. Eu vi porque alguém compartilhou no Bluesky mas não salvei, então não lembro. De qualquer maneira, é impressionante a maneira que a Providência funciona. Quem diria que depois de décadas apresentando jornal pinga-sangue (que hoje é light demais perto de qualquer canal de YouTube de PM), depois de tantos flertes e desistências, depois de quinze anos com duas certezas nas eleições municipais: Celso Russomanno começa bem mas não vai para o segundo turno e Datena ameaça concorrer mas desiste, quem diria que o jornalista José Luiz Datena quebraria a rotina de maneira tão maravilhosa.
Se eu fosse uma pessoa melhor, estaria me perguntando se a pessoa José Luiz anda bem. Ele já estava dando sinais, para quem quisesse ver, de que estava passando o pancake do Coringa no rosto. Na sabatina UOL/Folha ele terminou chorando dizendo que não conseguiu realizar seu sonho, que é servir ao povo, e que agora a política acabava de vez para ele. Aqui, nesses 3 minutos e 58 segundos temos uma pequena janela na mente de um homem que não tem mais o que perder. Um homem já vendo o crepúsculo de sua vida, que já tem no seu FGTS com a Rede Bandeirantes um pé de meia para os seus netos e o momento em que sonhou a vida toda escapando por entre seus dedos. Um homem que não tem nada a perder é muito perigoso.
De alguma maneira, toda a situação já vinha sendo desenhada.
Entra no palco Pablo Marçal. Por mais desprezível que ele seja, de certa forma, o errado sou eu, e eu sei disso. Muito improdutiva essa posição inconformada, certo tá ele: se o Brasil é movido por três setores econômicos: agronegócio, igreja evangélica e jogo do tigrinho, certo tá ele que cortou para fora do peito qualquer semblante de humanidade e se tornou um avatar da nova era TeoAgroBet. Errado sou eu aqui digitando, certo tá ele. Mas, no fundo, não posso deixar de ser quem eu sou, e é claro que eu acho completamente repulsivo esse retrato. Para ser sincero, eu acho Pablo Marçal um verme repulsivo, literalmente tudo o que há de errado no mundo, e a ideia de que ele ia para o segundo turno da prefeitura me dava vontade de pular de um viaduto. Então eu acho a desgraça dele deliciosa.
Chegamos, finalmente, nesse momento apoteótico.
De certa forma, o que me impressiona o quão despreparado o Marçal se revelou para esse momento. O cara é um crybully, verme, fala grosso para cacete até alguém for peitar de verdade, aí ele corre para a barra da mamãe. A reação primeira foi tentar reeditar a facada, fazer o cara virar mártir. Uma escolha ousada. Mas, no fundo, da maneira que eles vão testando as narrativas online, alguma coisa vai colar, ele já mudou a narrativa. Sempre cola. Por baixo mesmo ele não vai sair, mas que bom rir desse pessoal. Mas é bem engraçado ver apoiadores do cara chorando as pitangas “como que vocês apoiam violência física 😭”, como se não tivemos passado a última década toda vendo as novas profundezas da crueldade dessa direita fascista. Então, que chorem.
Mas, de qualquer maneira, o que eu fico pensando também é se não há um aspecto meio colaborativo para a construção desse tipo de narrativa de martírio. Um reconhecimento meio universal de que a violência sofrida é séria. O Trump chegou a milímetros de não ter a massa encefálica vaporizada (por um maluquinho de direita doido demais até para o trumpismo, e isso é detalhe importante1), e isso não foi tido com grande destaque por muito tempo, nem fez qualquer diferença nas pesquisas. Em parte, penso, foi que a reação em geral dos democratas foi um “puts, se fode aí”. Da mesma forma que virou meme a cadeirada no Marçal: é uma cena ridícula, e é muito difícil levar a sério ou como um enorme problema para a nossa democracia quando o cara tava antes berrando “você não é homem para me bater” para o cara que deu a porrada nele. E o Datena só não é uma pessoa muito amedrontadora. Penso que em algum nível não ajudamos uma anedota virar fato político. O Marçal vai se virar com o público dele como sempre se vira, porque para um influencer sempre há uma saída, mas as repercussões até agora não parecem tão sérias.
Marçal já indicava ter parado de crescer nas pesquisas, a rejeição dele já é a maior entre todos os candidatos, então estou menos preocupado e me permitindo essa risada gostosa2.
Inclusive, procurem o vídeo que ele tá sendo levado para o hospital. É tudo hilário! O assessor manda os carros PASSAREM NA FRENTE DA AMBULÂNCIA! E procurem o vídeo completo que a TV Cultura soltou no Jornal da Cultura. Houve uma segunda cadeirada.
Inclusive, vejam um vídeo do Marçal em evento de rua no dia seguinte e um transeunte provoca o candidato mostrando uma cadeira. O jegue do Rubinho Nunes parte para cima e é bem engraçado ver o descontrole dos caras. Por mim perseguiremos Pablo Marçal com cadeiras por onde ele for.
Mas tudo o que é bom precisa acabar. Preciso sair dessa euforia e retornar à minha vida, e como ponto final deixo a vocês esse desabafo. Só sei que nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas: quando acordei, peguei o celular e dei de cara com um vídeo de Datena descendo a porrada Marçal.
Se vocês quiserem um take mais inteligente sobre a doença nacional (e internacional) que gerou a fábrica de coaches, que possibilita a função Pablo Marçal, a qual a pessoa física Pablo Marçal só exerce momentaneamente e pode ser substituída, eu gostei bastante das análises e reflexões do último episódio do podcast Viracasacas.
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Parece que o perfil do cara que tentou esse segundo atentado mais recente é o mesmo. Gosto muito da ideia de Donald Trump passar o resto de seus dias na terra olhando sobre o próprio ombro com medo de maluquinhos de direita. Justiça poética.
“Ah mas a degradação da política nacional em tempo recorde.” Acordou do coma agora?
Eu vou dizer: eu me lembro dos memes, até fiz um (e provavelmente vou me envergonhar). https://substack.com/@tiagogermano/note/c-69251782